Histórias de Moradores de Caraguatatuba

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar o acervo de vídeos e histórias com depoimentos dos Moradores.


História da Moradora: Arary da Cruz Tiriba
Local: São Paulo
Ano: 08/09/2004



 



História de Arary da Cruz Tiriba

História:

Nasci em 1925, em Santos, São Paulo, filho do portuário Leônidas Odon Tiriba, natural de Santa Catarina, e de Jacintha da Cruz Tiriba. Minha mãe nasceu na cidade de Caraguatatuba, litoral de São Paulo, era dona de casa; somos em três irmãos. Minha infância e adolescência foi toda passada em minha cidade natal, onde cursei primário e secundário. No meu tempo de moleque, em Santos, vivia-se do porto, da exportação do café ou ainda do comércio local, que, no entanto, sempre foi muito fraco. E, como em todo porto, as doenças entravam de forma alarmante, a exemplo da sífilis e da tuberculose.

A febre amarela e a peste bubônica também haviam tido seu tempo, na passagem do século, mas tinham ficado para trás, contornadas, inclusive, com a participação de Adolfo Lutz, Vital Brasil e do doutor Emílio Ribas... O diagnóstico prevalecente em Santos, durante os anos 30, era de sífilis ou tuberculose. Não havia ainda prova sorológica; o diagnóstico era a olho e equivalia a um carimbo: sífilis Ninguém escapava da terapia drástica contra sífilis, com injeções na veia e intramusculares altamente tóxicas à base de bismuto e arsênico, que destruíam até a dentição, muito embora a alimentação da época fosse excelente... Eu e meus irmãos tomamos esses medicamentos também, certamente sem que houvesse nenhuma indicação... Era uma doença em torno da qual havia uma conotação discriminatória, como existe hoje com a AIDS, também com transmissão via sexual. Além do fantasma da sífilis, existia o da tuberculose.

A partir do final de 40, a ciência deu um salto grande com o surgimento dos antibióticos. Para a tuberculose, o aparecimento da estreptomicina foi uma revolução... É certo que esse quadro de minha infância ajudou muito durante a minha formação como médico, pela Escola Paulista de Medicina, em São Paulo. Naquela época, o médico se formava como um generalista. Meus dois últimos anos de estudante passei atuando como acadêmico interno na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e lá aprendi praticamente de tudo: cirurgia, ortopedia, hemoterapia, até anestesia... Em 1950, me formei já com emprego garantido em Lins, como anestesista... Sucede que eu estava de beca no Teatro Municipal de São Paulo, recebendo meu canudinho, quando subiu no palco um grande mestre da medicina da época, professor Luiz Pereira Barreto Neto, e me disse: “Tiriba, quero que você vá trabalhar comigo no Hospital de Isolamento Emílio Ribas”, como se chamava na época, porque era um hospital onde os doentes com moléstias infecciosas ficavam isolados.

Não tive como recusar... No dia seguinte, 10 de janeiro, estava morando no Emílio Ribas... Lá havia um pavilhões para varíola, meningite, difteria, sarampo e assim por diante... As enfermarias eram enormes, com mais de 30 leitos, um ao lado do outro, com os doentes mais ou menos separados de acordo com a doença: febre tifóide, tifo, febre maculosa. Tifo é uma doença gravíssima, diferente de febre tifóide, que se transmite pelo bacilo Salmonella typhi, através da água. Durante um longo período, houve confusão entre as duas doenças, porque elas têm como característica comum a febre constante e alta, de 39, 40 graus; daí a origem comum dos nomes. Há, no entanto, diferenças visíveis: a Salmonella typhi prolifera no tubo intestinal, que fica inchado, enquanto que no tifo há uma infecção generalizada, que provoca até uma depressão do abdômen.

Os clínicos mais atilados faziam essa distinção, apesar de não saberem nada sobre os agentes... Entrei no Emílio Ribas exatamente quando surgia, pela indústria farmacêutica, uma medicação eficiente que levava à cura do tifo e da febre tifóide, o antibiótico cloranfenicol. Foi um grande medicamento, até hoje é eficiente. Com a penicilina, a partir de 40, foi possível também combater a meningite, tanto a meningocócica quanto a pneumocócica. Antes, no final de 30, as sulfas também foram muito úteis.

Apenas que, como efeitos desfavoráveis, produziam cálculos renais... Elas tiveram efeito extraordinário contra infecções de garganta, infecção puerperal, erisipela, nefrite, doenças reumáticas, a escarlatina... A escarlatina era uma doença temível, que praticamente desapareceu... Logo que entrei no Hospital Emílio Ribas, passei a trabalhar lado a lado com o professor Luiz Pereira Barreto Neto e passei a auxiliá-lo nas demonstrações práticas para os alunos junto aos leitos. De forma que tão logo me formei já comecei a ensinar. Ensino na Escola Paulista de Medicina desde 1951, há mais de 40 anos. Além do trabalho como professor, depois de deixar o Emílio Ribas, fiz um curso de especialização em Saúde Pública, pela Faculdade de Saúde Pública da USP, e atuei fazendo pesquisa de campo em muitas situações endêmicas. Habitualmente, quando eclodia alguma doença misteriosa, eu era um dos primeiros a ser indicado para ir ao local investigar, em vários Estados.

Em minha experiência, vivenciei endemias de febre tifóide, febre maculosa, tifo exantemático, difteria e algumas outras causadas por agentes microbianos. Mas as maiores foram endemias causadas por vírus, e aí o palco é outro e estamos bastante desarmados... Uma terapia importante tem sido a assistencial, de suporte para o doente, de enfermagem... No Estado de São Paulo, vivenciei em 1975 a primeira epidemia de encefalite causada por vírus e transmitida por mosquitos. Encefalite é uma doença muito grave e muito mais impressionante que a meningite. Ela agride o sistema nervoso central em seu âmago, leva à cerebrite e tem alta letalidade... Uma endemia ocorre quando temos uma doença circunscrita a uma determinada região geográfica. É o caso da esquistossomose no Nordeste, da malária no Norte, da doença de Chagas, localizada em diversas regiões do Brasil.

O controle da doença de Chagas se faz através do combate ao vetor, o artrópode barbeiro. Adquirindo-se a doença, pode-se desenvolver uma infecção com manifestação sintomática ou não. É uma doença em expansão... No Norte, a malária constitui uma endemia nefasta, não apenas por ela própria, mas por encobrir outras doenças. Freqüentemente, trata-se da malária produzida pelo Plasmodium falciparum, a malária terçã malígna, doença terrível, que devasta os glóbulos vermelhos do sangue e leva a complicações renais, pulmonares, cardíacas, cerebrais e muitas vezes à morte. É muito mais grave que a malária terçã benigna, produzida pelo Plasmodium vivax. No passado, a malária era tratada à base de quinino, mas durante a guerra houve a falta do produto, justamente porque ele vinha do Oriente. Então os americanos trataram de produzir um quimioterápico sintético para seu tratamento da malária...

No que diz respeito às endemias, não avançamos na prevenção e, como conseqüência, estamos assistindo à recrudescência de doenças do passado, como tuberculose, sífilis... Uma pandemia ocorre quando temos uma doença numa área geográfica mais vasta, abrangendo continentes, como é o caso da AIDS. No caso da AIDS tenho duas observações. Por um lado, percebo um risco grande de que os profissionais envolvidos no tratamento dos pacientes percam a visão para as outras doenças que se acumulam nos doentes de AIDS e passem a tê-las como secundárias.

Por um lado mais positivo, acredito que, em função dos grandes investimentos feitos para se descobrir terapias para a AIDS, certamente surgirão novos e importantes modelos de neutralização de agentes patogênicos... As pesquisas estão se endereçando mais no sentido de atuar em etapas do processo patológico, o que me parece uma grande inovação. Talvez estejamos no limiar de uma nova forma de terapia, que promova a defesa ou a imobilização do microorganismo do agente patológico. Talvez, estejamos vislumbrando a possibilidade de agir durante o desenvolvimento da doença, antes que ela se manifeste...

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